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A proteção dos direitos autorais nas mídias digitais

Direitos autorais na internet. Photo by Fábio Alves on Unsplash
Por

Opice Blum Academy

No ano de 1998, quando da publicação da Lei nº 9610 (que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências), o mundo, embora consciente da transformação tecnológica que se aproximava, não imaginava a dimensão da inovação. Sabia-se, porém, que a proteção do direito autoral deveria existir independente do suporte, fosse ele existente naquele momento ou a se inventar no futuro.

No exercício de sua função e observando os cuidados necessários para o abrigo dessa defesa, os legisladores, seguindo a linha das Convenções Internacionais ratificadas pelo Brasil, resguardaram os direitos autorais, restando compreendido que a Lei supracitada se aplica às mídias digitais e Internet.

As obras protegidas pela Lei e as principais regras que regem o direito autoral

O referido diploma legal prevê em seu artigo 7º que as obras passíveis de proteção são as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, relacionando, a título exemplificativo, aquelas que estão contempladas nesse campo.

O ilustre Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo José Carlos Costa Netto, referência na matéria autoral, em seu livro Direito Autoral no Brasil[1] esclarece que

o objeto do direito do autor – ou o bem jurídico protegido – é a criação ou obra intelectual, “qualquer que seja seu gênero, a forma de expressão, o mérito ou destinação”.

E, também, cita o entendimento de Henry Jessen quanto aos requisitos a serem preenchidos: “a) pertencer ao domínio das letras, das artes ou das ciências; b) ter originalidade; c) achar-se no período de proteção fixada em lei”.

No Brasil, o prazo de amparo é de setenta anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor. Na hipótese de coautoria de obra indivisível, o referido prazo será contado da mesma forma, mas considerada a morte do último dos coautores sobreviventes. No caso de obras anônimas ou pseudônimas, o prazo de setenta anos será contado de 1° de janeiro do ano imediatamente posterior ao da primeira publicação. Por sua vez, quando se tratar de fotografia ou obra audiovisual, a contagem do citado período terá como ponto de partida 1° de janeiro do ano subsequente ao da publicação.

Com base nessa premissa e sob essa égide, cabe ao autor uma dupla ordem de proteção, qual seja, no âmbito moral e patrimonial.

Os direitos patrimoniais são aqueles que se referem ao proveito econômico da obra intelectual. É um direito exclusivo, daquele que cria, a utilização de seu feito da maneira que desejar, sendo possível permitir, inclusive, que terceiros a explorem, total ou parcialmente, para finalidades determinadas e específicas, a serem manifestadas expressamente. Os negócios jurídicos que contemplam os direitos dessa natureza são interpretados restritivamente[2].

A ilustre autoralista Eliane Y. Abrão comenta o artigo 29 da Lei[3]:

Tratando-se de direitos exclusivos, a utilização pública da obra só pode operar de modo legítimo uma vez consultado previamente o autor, o editor ou qualquer outro cessionário ou licenciado, quanto ao modo, tempo, e a remuneração cabível e acordada entre os legitimados. A expressão “quaisquer modalidades” faz referência a outros modos e mídias que permitam a circulação da obra, como a digital, em fase embrionária por ocasião da entrada em vigor da Lei 9.610/98.[4]

Assim, em regra, a utilização de obra alheia, independente do suporte fixado, será permitida quando devidamente autorizada pelo titular de direitos.

Os direitos morais, por sua vez, são personalíssimos, intransferíveis, irrenunciáveis e inalienáveis, seara onde se inserem os direitos de paternidade e integridade da obra, sendo conferidos ao autor os direitos de reivindicar, modificar e contestar quaisquer modificações ou prática de atos que possam prejudicá-lo de qualquer forma, em sua reputação ou honra e a qualquer tempo.

Quando de sua morte, caberá aos seus sucessores o direito de pleitear, a qualquer tempo, a autoria da obra e sua devida identificação, assim como de assegurar a plenitude da criação.

Uma vez vencido o prazo de proteção e pertencendo a obra ao domínio público, não obstante estarem liberados os direitos de utilização, aqueles de ordem moral deverão ser respeitados.

Afinal, o que estaria liberado?

Importante mencionar que o diploma legal supracitado estipulou, em caráter excepcional, limitações taxativas ao direito de autor. Além da restrição do prazo de proteção acima citado, a Lei reservou um capítulo para tratar de tais reservas, expostas nos dispositivos 46, 47 e 48.

Em breve análise de algumas dessas reservas, de início, observa-se que um dos objetivos segue os princípios constitucionais da disseminação de conhecimento e informação. Como exemplo, destaca-se a possibilidade de reprodução total ou parcial de notícias ou artigo informativo publicado na imprensa, desde que devidamente acompanhados do nome de seu autor, quando assinados, e a fonte. Nessa mesma linha, entende-se também como limitação legal a reprodução, em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza.

Outro ponto, objeto de preocupação demonstrada pelo legislador, é a acessibilidade. Sobre esse aspecto, o diploma legal prevê a possibilidade de reprodução integral, sem fins comerciais, de obras literárias, artísticas ou científicas, desde que destinadas para uso exclusivo de deficientes visuais, por meio do sistema Braille ou outro método voltado para esses destinatários, ou seja, somente para cumprir essa função.

Ensino também é um dos propósitos do referido capítulo. Por esse motivo, resta liberada a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra. O apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem é permitido; no entanto, a sua publicação, integral ou parcial, depende da autorização prévia e expressa de quem as ministrou.

Dentre outras possibilidades expostas na Lei citada, não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução, em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por esse, sem intuito de lucro.

Não obstante a previsão expressa de limitação de proteção legal, em consonância com a Convenção de Berna, em benefício da reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores, sua aplicação é polêmica e gera sempre muita discussão. Embora esteja prevista tal exceção no inciso do Artigo 46 da Lei vigente, além da dificuldade de preenchimento de tais condições, não há uma definição legal de “pequenos trechos”, razão pela qual é de difícil aplicação na prática, especialmente no universo digital.

Destaca-se também que são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descréditos. Contudo, dificuldade existe para a sua caracterização, a ser analisada conforme a situação, vez que, dentre os desafios, demanda interpretação subjetiva quanto à conotação demérita.

As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais. Nota-se que a permissão é de representação da obra, excluindo-se a possibilidade de reprodução[5], que dependerá obrigatoriamente de autorização de seu criador ou titular de direitos.

Conclusão

Muito embora as mídias digitais não existissem antes da publicação da norma legal vigente que trata da proteção dos direitos autorais, sua aplicação é mandatória e se enquadra perfeitamente nos dias atuais.

A Internet não é terra de ninguém e o uso de obras alheias deve seguir as diretrizes da Lei para a sua exploração.

As exceções apresentadas são complexas e demandam um estudo mais aprofundado caso a caso quanto ao seu enquadramento, especialmente quando aplicadas no universo digital, razão pela qual alerta-se a respeito dos cuidados no momento de reproduzir, distribuir e comunicar obras de terceiros nesse âmbito.

LARISSA ANDRÉA CARASSO KAC é advogada e consultora jurídica na área de direito de entretenimento, mídia, imagem, publicidade e comunicação. Formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Propriedade Imaterial – Direitos Autorais – Propriedade Industrial – Direito da Personalidade e Comunicação pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP – ESA. Coordenadora do curso Aspectos jurídicos pertinentes à atividade publicitária no Brasil na Escola Superior de Advocacia da OAB/SP – ESA. Professora do curso avançado de contratos de direitos autorais e de entretenimento da Associação Paulista de Propriedade Intelectual – ASPI; curso de MBA em Direito Eletrônico da Escola Paulista de Direito – EPD; da pós-graduação (Lato Sensu) em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento e Mídia da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP – ESA; e do curso de pós-graduação em Fashion Law da Faculdade Santa Marcelina. Integrante do Corpo de Árbitros da Câmara Nacional de Arbitragem na Comunicação. Membro da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP. Coordenadora nacional e coautora da obra Direito Autoral Atual – Editora Elsevier (2015). Autora de artigos e coautora de livros na sua especialidade.

[1] Netto, José Carlos Costa. Direito Autoral no Brasil. 3. ed., São Paulo: Saraiva Jur, 2019, p. 159.

[2] Artigo 4 da Lei n. 9610 de 19 de fevereiro de 1998.

[3] Artigo 29 da Lei n. 9610 de 19 de fevereiro de 1998.

[4] ABRÃO, Eliane Y. Comentários à Lei de Direitos Autorais e Conexos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 125

[5] Artigo 5, inciso VI da Lei n. 9610 de 19 de fevereiro de 1998: “– reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;”

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