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Estelionato sentimental virtual: medidas preventivas e corretivas

Estelionato sentimental virtual - Photo by Yogas Design on Unsplash
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Opice Blum Academy

Os relacionamentos amorosos tornaram-se cada vez mais complexos com a modernidade. Diariamente, surgem novos meios para estabelecer vínculos afetivos, conhecer pessoas novas, bem como facilitar as comunicações. No entanto, alguns fatos não mudam: em um relacionamento, as partes ainda presumem que exista lealdade, confiança, honestidade, transparência e respeito.

As expectativas criadas no início de um namoro são inúmeras, principalmente em razão de as partes buscarem conhecer possíveis parceiros(as) para a vida, permitindo-se trocar informações e experiências pessoais, com o fim de estabelecer um vínculo afetivo e auxílio mútuo.

Com as redes sociais e os aplicativos de relacionamento, a troca de informações ficou ainda mais facilitada, sendo que, por vezes, informações pessoais são divulgadas indiscriminadamente pelos próprios usuários. Existem casos em que essa exposição acaba por atrair pessoas de má-fé e sem boas intenções, como os estelionatários. Na grande maioria das vezes, são homens que se valem da situação delicada de mulheres que passaram ou passam por traumas afetivos, decorrentes de separação, viuvez, entre outros[1], para aplicar golpes.

A utilização da afetividade pelos infratores para obter vantagem indevida é intitulada como “estelionato sentimental”. O termo advém de sentença proferida em processo judicial[2], referente à ação de cobrança, cumulada com danos morais, proposta por uma vítima dessa prática.

8 de março - dia internacional das mulheres
Este artigo faz parte da série criada pela Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados para o Dia Internacional da Mulher, e foi publicado originalmente na página da empresa no LinkedIn. A série prossegue com novos textos diários até dia 13 de março, confira!

No caso em referência, a vítima efetuou diversas transferências bancárias ao homem, que na época era seu namorado. Ela comprou roupas e sapatos, além de ter pago dívidas e contas que o companheiro possuía, visando agradá-lo e conservar o relacionamento amoroso, que não prosseguiu como o esperado.

Quando o companheiro terminou o namoro, a parceira tentou reaver os valores que lhe eram devidos, sem, contudo, obter êxito. Sendo assim, buscou o Poder Judiciário para solicitar o reembolso dos valores gastos e indenização moral pelos prejuízos emocionais e psicológicos causados pelo ex-parceiro.

A Justiça entendeu que as promessas realizadas pelo réu – no sentido de que, assim que voltasse a ter estabilidade financeira, ressarciria os valores que obteve de sua vítima no curso da relação – criaram uma falsa expectativa perante a vítima, havendo abuso de direito, emergindo daí o dever de indenizar[3].

Ainda, de acordo com a Justiça, a ilicitude advém da quebra dos direitos e deveres que recaem sobre os relacionamentos intersubjetivos, que são reconhecidos como direitos anexos ao princípio da boa-fé objetiva, prevista no artigo 422 do Código Civil[4], a qual se traduz “no padrão de conduta necessária à convivência social para que se possa acreditar, ter fé e confiança na conduta de outrem[5]. Esse princípio, por se tratar de uma cláusula geral, foi adaptado pelo juízo responsável para ser aplicável ao caso, demonstrando a ocorrência do abuso de direito quando o infrator se utilizou de artifícios, fraudes, laços afetivos e declarações amorosas para se locupletar de forma indevida.

O entendimento aplicado é o mesmo que tem sido utilizado como paradigma em casos semelhantes[6]. Por meio da análise das decisões judiciais, é possível verificar que no estelionato sentimental, o estelionatário age com má-fé e meio fraudulento para induzir e manter a vítima em erro, utilizando-se do falso vínculo amoroso e da vulnerabilidade emocional da parceira. Por meio de falsas promessas, como o reembolso dos valores despendidos para o seu bem estar, constrói uma fraude intelectual ao criar uma falsa percepção da realidade que é mantida até alcançar o objetivo desejado, qual seja a obtenção de vantagem ilícita.

Além disso, como a Dra. Débora Spagnol expõe, no estelionato afetivo há um “vício de consentimento”, eis que a pessoa enganada não possui noção perfeita do que está acontecendo. Muitas vezes, a vítima é induzida a acreditar que há recíproca sentimental e que o relacionamento amoroso depende do auxílio financeiro[7].

Com o uso das redes sociais e dos aplicativos de relacionamento, essa falsa indução ocorre com maior facilidade e frequência, especialmente considerando a possibilidade do uso de informações inverídicas para abordar e iniciar um vínculo amoroso com as vítimas mais atrativas, que possuem boa condição financeira.

Além disso, é comum aos estelionatários sentimentais afirmarem que moram em regiões distantes e que não possuem condições para se locomover, com o objetivo de solicitar auxílio financeiro às vítimas. Com isso, constroem a ideia de que este dinheiro é indispensável para o encontro do casal, de modo que a mulher, independente financeiramente, acaba por auxiliar financeiramente o companheiro.

Neste sentido, importante ressaltar que já houve a condenação ao ressarcimento de valores subtraídos por um estelionatário emocional que, de má-fé, usurpava diversas mulheres por meio do aplicativo Tinder[8], levando ao endividamento e ao esgotamento dos recursos das vítimas[9].

Dessa forma, diante das reiteradas decisões determinando o pagamento de danos materiais e morais em casos de estelionato sentimental cometido contra mulheres, resta evidente que existem meios corretivos diante da prática desse ilícito. Assim, cumpre ressaltar que essas medidas corretivas não estão presentes apenas na esfera cível, mas também na esfera criminal, tendo em vista que, apesar de não ser expressamente prevista no Código Penal, a tipificação prevista no artigo 171 do referido diploma legal pode ser aplicável aos estelionatos afetivos que ocorrem nos meios virtuais ou não[10].

Então se existem diversas medidas corretivas, conforme demonstrado acima, quais medidas preventivas as mulheres poderiam adotar para coibir a prática do estelionato emocional?

Por meio da tecnologia é possível realizar diversas buscas e pesquisas para conseguir atestar a veracidade do que é dito pelas pessoas nos aplicativos e nas redes sociais, possibilitando a descoberta de informações sobre a pessoa que você queira conhecer melhor. Inclusive, é possível realizar buscas por arquivos de fotografias, de modo a descobrir o nome da verdadeira pessoa retratada, quando há o uso de perfis falsos.

Além disso, atualmente existe uma grande rede de apoio e sororidade[11] entre as mulheres, de modo que as vítimas do estelionato sentimental criam grupos nas redes sociais visando divulgar informações sobre os estelionatários para alertar outras quanto à ocorrência desses ilícitos, bem como para ajudar e amparar outras mulheres que estão passando ou passaram por essa situação traumática.

Dessa forma, para se prevenir, as mulheres devem pesquisar sobre os respectivos parceiros e tentar conhecer mais de suas vidas e de seus círculos de amigos. Além disso, quando o contato se inicia por meio das redes sociais ou de aplicativos de relacionamento, recomenda-se que marquem encontros pessoalmente em locais públicos antes de dar início a um relacionamento amoroso. Não obstante, visando se resguardar, as mulheres podem armazenar o registro de suas conversas e fotos tiradas com os parceiros.

Necessário sempre ter cautela ao envolver dinheiro no relacionamento, sendo essencial a guarda dos comprovantes de eventuais gastos tidos com os parceiros, visando evitar maiores prejuízos em eventual prática de estelionato afetivo, na medida em que estes são requeridos pela justiça para comprovação dos danos.

Além disso, importante destacar que, caso as vítimas percebam que estão sendo abordadas por homens que utilizam perfis falsos para aplicar golpes, é possível e indicado a propositura de ação de quebra de sigilo para conseguir obter as informações fidedignas dos usuários que criaram os perfis para fins ilícitos, visando, assim, se precaver de futuros estelionatos, bem como para eventual responsabilização cível e criminal.

Como exposto, vemos que a prática do estelionato sentimental é cada vez mais corriqueira e a internet, se utilizada indevidamente, pode ser um território fértil para pessoas mal-intencionadas. Contudo, tendo em vista que a tecnologia é uma via de mão dupla, esta pode ser utilizada para prevenir a prática de referidos ilícitos, bem como para que as mulheres, principais vítimas desses golpes, tenham acesso às informações quanto à possibilidade de responsabilizar civilmente e criminalmente os infratores, medidas essenciais para ajudar e conscientizar potenciais vítimas.

MARCELLA JATOBÁ GUIDA é advogada da equipe de contencioso do  Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados.

[1] Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41260/estelionato-sentimental-civel-ou-penal. Acesso em 18.02.2020.

[2] Disponível em: https://www.jurisway.org.br/monografias/monografia.asp?id_dh=19617. Acesso em 18.02.2020.

[3] TJDF. Acórdão n.866800, 20130110467950APC, Relator: CARLOS RODRIGUES, Revisor: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/04/2015, Publicado no DJE: 19/05/2015. P. 317

[4] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 18.02.2020.

[5] CAVALIERI FILHO, S. Programa de Responsabilidade Civil. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

[6] Disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/7153/Condenado+por+estelionato+sentimental%2C+homem+ter%C3%A1+que+pagar+d%C3%ADvidas+e+indeniza%C3%A7%C3%A3o+por+dano+moral+%C3%A0+ex; https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2019/08/02/estelionato-sentimental-ele-me-pedia-dinheiro-para-assumir-a-relacao.htm e https://www.migalhas.com.br/quentes/306045/homem-deve-indenizar-mulher-por-estelionato-sentimental.

[7] Disponível em https://deboraspagnol.jusbrasil.com.br/artigos/417697597/estelionato-sentimental-crime-ou-abuso-de-confianca. Acesso em 18.02.2020.

[8] “O Tinder® é o aplicativo mais popular do mundo para conhecer pessoas novas. Pense que somos seu parceiro mais confiável: onde quer você vá, nós estaremos lá. Se você quer conhecer novas pessoas, expandir sua rede social, conhecer pessoas locais quando está viajando ou apenas viver o agora, você veio ao lugar certo. Somos conhecidos como o “aplicativo mais quente do mundo” por uma simples razão: proporcionamos mais de 26 milhões de Matches por dia.” Disponível em https://www.help.tinder.com/hc/pt-br/articles/115004647686-O-que-%C3%A9-o-Tinder-. Acesso em 18.02.2020.

[9] Disponível em https://www.migalhas.com.br/quentes/300002/homem-indenizara-mulher-que-conheceu-no-tinder-por-estelionato-sentimental. Acesso em 18.02.2020.

[10] Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/02/17/golpista-conhecido-como-estelionatario-do-amor-e-preso-em-sao-paulo.htm; https://jus.com.br/artigos/41260/estelionato-sentimental-civel-ou-penal e https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2016/06/21/vitimas-de-estelionato-sentimental-se-unem-pela-internet-contra-suspeito.htm.

[11] “Sororidade é sobre empatia, solidariedade, companheirismo e respeito entre as mulheres. Defende a ideia de que juntas somos mais fortes e que precisamos umas das outras para buscarmos a liberdade e os direitos que reivindicamos. As alianças são importantes para que esses estigmas e preconceitos enraizados sejam enfraquecidos.” Disponível em https://claudia.abril.com.br/sua-vida/o-que-e-sororidade/. Acesso em 18.02.2020.

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